Já traduzi um romance histórico da Zadie Smith que tem, sei lá, umas quinhentas páginas (A fraude, em breve em uma livraria perto de você). Já traduzi a Joan Didion em seu melhor, ou seja, n’O álbum branco, e todo mundo sabe que a Didion em seu melhor tem uma escrita ameaçadora de tão precisa, de tão afiada. Já traduzi a ficção de fusão da Bernardine Evaristo. Já traduzi um romance que se passa na Idade Média com dezenas de termos envolvendo hierarquias, objetos, símbolos e ritos e religiosos (não sei se já está no prelo). Também já traduzi um romance centrado em uma família de taxidermistas, Quase só coisas mortas, da Kristen Arnett, graças ao qual precisei acessar todos os tipos de fóruns e sites suspeitos, quando não ligeiramente ilegais, para saber os nomes das ferramentas e produtos químicos em português. Já precisei aprender o vocabulário do pessoal do swing para um livro de não ficção sobre poliamor que talvez nem seja publicado, não sei. Também adquiri um bom repertório em medicamentos, química orgânica e até mesmo física quântica (em breve). Já traduzi coisas insalubres: traduzi pelo menos meia dúzia de cenas de estupro, e já tive de pesquisar nomes de armas e de insígnias e divisões nazistas. Já tive de manter uma oralidade cadenciada bem difícil de atingir. Já traduzi alguns trechos com os trocadilhos da Donna Haraway para a dissertação. Já precisei aprender uma coisa ou outra de iorubá e (mordendo o punho) gaélico. Já fui obrigada a encontrar, para Gelo, da Anna Kavan, trocentos sinônimos para brilhar, cintilar, faiscar, refulgir, resplandecer, rutilar, luzir. E já vi uma porrada de gente elogiando a escrita fluida da maioria desses autores — autores que, até onde sei, não falam ou falavam uma palavra de português.
Já passei por tudo isso e mais um pouco, ainda que não traduza há tanto tempo assim.
Só que minha tese envolve uma tradução integral e comentada. De William James.
Solta o som, DJ: